quarta-feira, 1 de julho de 2009

FREIRE, Ana Maria Araújo. Analfabetismo no Brasil: da ideologia da interdição do corpo à ideologia nacionalista, ou de como deixar sem ler e escrever desde Catarinas ( Paraguaçu ), Filipas, Madalenas, Anãs, Genebras, Apolônias e Gracias até os Severinos. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: INEP, 1989. ( Biblioteca da Educação. Série I. Escol; v.4).



O analfabetismo é um dos grandes males, que assola as sociedades mundiais, em especial as dos países pobres com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), onde o número de analfabetos são exorbitantes. No Brasil, esses índices chegam a cifra de milhões. A autora analisa os fatos sob “[...] a luz das circunstâncias sócio-politico-econômicas e, portanto, históricas, nais quais ocorreram” (FREIRE, 1989, p.13).
A obra tenta elucidar a gênese da educação brasileira, onde mostra como essa herança cultural educativa chega até o século XXI; colocando que o analfabetismo brasileiro continua a ser reproduzido em detrimento de uma sociedade elitista, preconceituosa, injusta e com concepções discriminatórias.
As análises são fundamentadas em documentos primários, que são baseados em relatórios e propostas de Reformas na educação; descreve ainda a ideologia da interdição do corpo, vinculada a uma noção pecaminosa, exclusão das mulheres, índios e negros aos ambientes escolares, bem como toda uma estrutura escolar desenvolvida para a elite brasileira vigente.
O texto inicia-se com uma breve síntese do período colonial, que vai de 1534 a 1850, onde Freire busca na historiografia brasileira, desvendar as raízes do analfabetismo, que têm como pano de fundo um modo de produção escravista, que segundo ela: “Estabeleceu-se, então a estrutura de produção no Brasil sobre o tripé-escravidão negra, latifúndio e regime colonial ( produção de açúcar destinado ao mercado externo e monopólio comercial” ( FREIRE, 1989, p.21).
Com a instalação da colonização, devido a sucessivas e iminentes invasões estrangeiras, através das capitanias hereditárias e logo depois o Governo Geral, Portugal passa a controlar o poder político e econômico da colônia, e sobre os auspícios da coroa são introduzidos no Brasil as primeiras levas de jesuítas, no ano de 1549, com “a tarefa determinada de instruir e catequizar o índio” ( FREIRE, 1989, p.22).
A educação no período do modo de produção escravista, conforme Freire, são divididas em cinco momentos:
1) Período da instalação das capitanias hereditárias ou de nenhuma preocupação com a educação escolarizada (1534-1549);
2) Período Jesuítico ou do início da ideologia da interdição do corpo (1549-1759);
3) Período Pombalino ou da remodelação iluminista (1759-1808);
4) Período Joanino ou do inicio da instalação do aparato burocrático do Estado brasileiro e da educação escolar como necessidade deste (1808-1822);
5) Período pós-autonomia ou da inexistência de um sistema educacional próprio do Estado Nacional (1822-1850).
Freire (1989) coloca que com o advento dos jesuítas na colônia portuguesa, houve uma certa preocupação com a população indígena concernente a educação, pois dessa forma a ideologia poderia submeter essas pessoas: “[...] a preocupação pela educação surgiu como o meio capaz de tornar a população dócil e submissa, atendendo à política colonizadora portuguesa (FREIRE, 1989, p.28).
O texto nos informa de que forma os jesuítas foram instalados e quais suas funções e a quem servia esse tipo de ideologia. Fica bem claro quais as verdadeiras intenções dos jesuítas nas terras brasileiras: “Tomé de Sousa traz consigo quatro padres e dois jesuítas liderados por padre Manoel da Nôbrega, elementos imprescindíveis à inculcação ideológica que serviria a espoliação da colônia e a grande produção açucareira” ( FREIRE, 1989, p.28 ).
Com a preocupação da educação pelos jesuítas a partir de 1549-1570, de acordo com a autora é nesse período que são abertas as primeiras escolas para os nativos e para os:
[...] filhos dos colonos – brancos e mamelucos – para o aprendizado de língua portuguesa, da doutrina cristã, do ler e escrever, do canto Orfeônico, da música instrumental, do teatro, da dança, aprendizado profissional e agrícola e das aulas de gramática para os mais hábeis, conforme o regimento de D. João III (FREIRE, 1989, p.34).
É nesse período histórico que ela diz, que a educação brasileira seguia as linhas didático-pedagógica da Companhia de Jesus, que no ano 1599 publica o Ratio Studiorum, plano educacional, em todo o mundo; que de forma rígida, conservadora e inflexível, fora aplicado no Brasil, sem as devidas adaptações, conforme nossa realidade. E que é somente no ano de 1832 que surge sua primeira reforma. O Ratio Studiorum trazia em seu arcabouço os “ [...] cursos de filosofia, teologia e humanidades, em detrimento do ensino elementar. O latim e o grego eram disciplinas dominantes” (FREIRE, 1989, p.35 ).
Ela assevera que esse tipo de ensino serviria quase que exclusivamente as elites agrárias dominantes, portanto os jesuítas não tinham preocupação com a alfabetização e nem tampouco com a gratuidade do ensino para todos.
E para finalizar esse período educacional fundamentada no ensino jesuítico, ela nos informa que: “[...] os jesuítas nos legaram um ensino de caráter literário, verbalista, retórico, livresco, memorístico, repetitivo, estimulando a emulação através de prêmios e castigos e que se qualificava como humanista clássico”( FREIRE, 1989, p.41 ).
Freire (1989, p.42) aponta ainda que após a expulsão dos jesuítas, pelo Marquês de Pombal, ato justificado pelo “Escolaticismo medieval jesuíta, em contraposição ao iluminismo dos filósofos modernos”. Ela diz que Pombal com sua reforma pretendia tirar Portugal do atraso cultural e econômico, que para os lusitanos trouxe benefícios, todavia o Brasil retrocedeu com relação a educação, pois “ ficou treze anos sem escolas e os cursos seriados jesuítas, foram substituídos pelas aulas avulsas”( FREIRE, 1989, p.42 ), sem o devido rigor didático jesuítico.
É com Pombal diz a autora, que tivemos alguns avanços na área educacional como: A Real Mesa Censoria (1772 ), o fundo escolar (1712 ), aulas de filosofia e latim (1774 ), oito disciplinas relacionadas com humanas. Nesse período houve uma sistematização do ensino superior, médio e primário, onde as “aulas avulsas” ou aulas Régias eram dominantes, e é dentro dessa política pombalina que é criado o primeiro colégio para as meninas das Casas Grandes e Sobrados” ( FREIRE, 1989, p.43 ), e a partir desse momento que o ensino no Brasil é oficializado pelo Estado português.
Freire tece comentários sobre o Período Joanino, e qual importância teve para a educação brasileira. Ela, comentando essa época histórica, diz que: “houve uma preocupação imediata e profissionalizante com o ensino” (FREIRE, 1989, p.44 ), com a intenção de preparar pessoas para exercerem cargos na capital da colônia.
As aulas avulsas e do nível secundário e de ler e escrever continuaram sendo ministrada, porém, é instituído o ensino profissionalizante no Brasil, em detrimento de um aparelho burocrático estatal.
Comentando sobre o período pós emancipação política, diz ela, que a estrutura produtiva permaneceu a mesma, com o tripé da sociedade aristocrática, a “escravidão, latifúndio e monocultura para exportação”( FREIRE, 1989, p.45 ). Com a constituição imperial, outorgada por D.Pedro I, traz em seu art. 179, inciso XXXII, a seguinte redação: “a instrução primaria é gratuita a todos os cidadãos” ( FREIRE, 1989, p.46 ), embora que ela diga esses preceitos legais e liberais na prática não surtiu efeito.
De acordo com a autora, um projeto de lei de autoria de Januário da Cunha Barbosa, trazia em sua essência um plano de ensino público integral em todos os níveis de ensino; criaram-se cursos jurídicos em Olinda e São Paulo para a demanda do Estado Nacional e o ensino para as escolas de primeiras letras, que por mais uma vez o ensino estava a serviço de uma elite dominante.
Freire ainda descreve como era o ensino das escolas de primeiras letras, durante o primeiro império; fala que a educação era de dois a três anos, para os homens havia no currículo ler, escrever e as quatro operações aritméticas, noções de geometria, gramática portuguesa e princípios de moral e doutrina Cristã; no caso das mulheres era excluídos a geometria e resumia-se as quatro operações aritméticas, e ainda era “ acrescentado as prendas domesticas”( FREIRE, 1989, p.49 ). A partir de 1827 é instituído o método lancasteriano, chamado de ensino mútuo, que se caracterizava em dividir a classe entre decuriões e discípulo, sob os auspícios do monitor, supervisionado pelo professor, selecionado entre os melhores alunos da classe para exercer tal função.
Freire conclui esse período de 1534-1850, dizendo que essa estrutura social não privilegiava a educação em detrimento de uma classe dominante, na qual seus conteúdos eram, “alienantes e de concepção elitista” (FREIRE, 1989, p.57), que “fecundado pela ideologia da interdição do corpo, que excluía das escolas o negro, o índio e quase a totalidade das mulheres, gerou, inexoravelmente, um grande contingente de analfabetos ( FREIRE, 1989, p.57).
Na parte II do texto, Freire refere-se ao período de 1850-1930, no qual ela contextualiza a educação dentro de uma perspectiva política, econômica e ideológica.
Esse período compreende uma época de grande desenvolvimento da economia, do país, pois o café o principal produto de exportação dinamizava todas as relações sociais, que conjugado com o processo industrial no início do século, levou o país a implantar por definitivo o capitalismo.
A seguir, a autora, coloca de forma categórica as várias reformas, decretos e relatórios concernentes a educação. Ela cita a reforma de Couto Ferraz, que “aprova o Regulamento para a reforma do ensino primário e secundário do município da corte”(FREIRE, 1989, p.90). Essa Reforma traz em síntese algumas normas de “validade nacional”, que tinha como atribuições o controle da aberturas da rede privada, com objetivo de inspecionar as escolas publicas e privadas no ensino primário e secundário, realização de exames para medir a capacidade dos professores e coordenar de modo geral o ensino primário e secundário. Ela conclui dizendo que houve uma continuação da política, herdada da herança jesuíta, com preocupações da interdição do corpo, que visava coibir quaisquer atitudes referente com a sexualidade, por isso a escolarização ficou a mercê dos dominantes, que execrando o negro, o índio e boa parte das mulheres da escola, “gerando número enorme de analfabetos, embora a constituição imperial falasse que a instrução primaria seria gratuita a todos os cidadãos. Função de Estado autoritário, discriminador e elitista (FREIRE, 1989, p. 95 ).
Freire aponta que o Decreto de Leôncio Carvalho (1878), é muito importante para compreensão do analfabetismo, que fora criado curso noturno para adultos, nas escolas publicas de ensino primário.
Rui Barbosa é apontado por Freire, com relator da comissão de instrução da câmara, ele “escreveu pareceres sobre o decreto de Leôncio de Carvalho e apresentou Projeto de lei para a educação nacional” (FREIRE, 1989, p.112 ), porém de nada adiantou como ele dissera que “ serviu tão somente, ao mofo e traças”( BARBOSA, 1947 apud FREIRE, 1989, p.112 ).
Ela afirma que no final do século XIX, surgiram três correntes ideológicas na educação, e que ainda no hodierno essas correntes influenciam nossa educação; essas correntes são: Católico-conservador, liberal e positivista.
E concluindo esse período, Freire fala que existiram avanços na educação, mas foram de forma gradativa, e as mudanças ocorreram, no entanto as transformações não, para ela a “sociedade civil e política brasileira deste período supervalorizou a educação primária como principal instrumento para disciplina, ordem e progresso (FREIRE, 1989, p. 222 ).

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